domingo, novembro 30

Fenix - Parte 8

Mário entrou na morgue e fechou a gigantesca porta por trás de si, selou-a cautelosamente para que não a pudessem abrir por fora. Correu para as saídas da ventilação e fechou-as uma por uma, embalado pelos sons frenéticos das pancadas deseperantes. Acreditava que estava a fazer o correcto, pouco importavam as opiniões alheias, e apesar do seu primeiro erro, não tinha perdido a confiança em si mesmo.
Simone e Edgar correram novamente para a morgue. Tentaram abrir a porta sem sucesso. - O que achas que ele vai fazer? - Perguntou Simone severamente preocupada. - Não faço ideia. Mas espero que não implique libertar os infectados. - Cecilia estava por detrás deles. Ainda que revoltada com a afirmação manteve o silêncio, e tentou compreender o receio dos cientistas. Simone tentou bater na porta, mas as pancadas que emitia confundiam-se com os sons vigorosos do interior. Era impossível fazer a distinção. Edgar começava a não encontrar saída para o sucedido. - E agora? O que vamos fazer? - Simone fitou Cecília e respondeu à pergunta convictamente: - Vamos tentar resolver isto sem estragos. - Cecilia acenou afirmativamente, mas Edgar ergueu a sobrancelha sem tecer nenhum comentario.
Mário continuava fechado no interior das espessas paredes e, ainda com o seu fato vestido, abriu uma das portas de uma qualquer arca frigorifica. Espreitou para o interior e viu um homem tremendamente assustado, que lhe perguntou: - O que se passa? O que estou eu aqui a fazer? - Mário puxou a maca do interior da arca e tentou conversar com o homem, mas este estava num tremendo pânico, de tal forma que o homem se levantou e correu para a porta. - Onde está a alavanca? Quero sair daqui! - Nesse mesmo momento Mário percebeu o quão idiota tinha sido. Tentou impedir a entrada dos colegas na sala, encravando propositadamente a porta, mas esqueceu-se que esta não abria por dentro sem um cartão de identificação. Procurou em todos os seus bolsos, não encontrou. Fez um esforço de memória, e percebeu que tinha deixado o cartão no interior do seu cacifo. Mário fitou o homem histérico, que o agarrou pelos ombros com uma força estrodonsa. - Diga-me o que se passa! - Mário percebeu naquele momento que a sua única saída era tentar chegar à ventilação o mais depressa possível.
Simone, Edgar e Cecilia correram para o laboratório. Começaram por mexer na bancada de Mário para tentarem encontrar a droga (ainda não testada) para combater aquele vírus. Enquanto o faziam o telefone tocou. Edgar atendeu. - Estou. - Do outro lado uma voz rouca e rude respondeu: - Daqui fala o Inspector Filipe Norte. Diga-me o quer e talvez possamos negociar a sua saida. - Edgar desligou o telefone e fitou as duas mulheres. - Acho que temos mais um problema...

sexta-feira, novembro 21

Fénix - Parte 7

Edgar e Simone corriam o mais depressa possível para o laboratório. No caminho cruzavam-se com inúmeros colegas que não faziam ideia do que se passava. Ao chegarem ao destino Edgar alertou a colega para uma questão pertinente: - Simone! Praticamente toda a gente neste edifício usa uma fato de protecção. Nenhum deles irá adormecer. Não vamos conseguir adormecer nem evacuar o edifício convenientemente. - Não podemos mandá-los tirar os fatos. Vão ficar infectados! - Respondeu Simone. - Então o que sugeres? - Acrescentou Edgar. Simone colocou a mão sob o queixo e deixou o seu olhar divagar em redor. Enquanto examinava a sala com o maior detalhe possível, Edgar observava-a com a maior das atenções. Até que num instante Simone parou de vaguear e correu para junto de uma das paredes. Assim que se aproximou do alarme de incêndio puxou a alavanca e sorriu esperançosa. - Essa ideia foi estúpida! Agora temos os bombeiros "à perna"! - Simone respondeu ironicamente: - És sempre tão pessimista! Vamos trancar as portas. Ficamos aqui dentro fechados. - Edgar rolou os olhos e respondeu: - Perfeito! Essa ideia é ainda mais estúpida! Vamos juntar a polícia ao barulho! - E que tal parares de arranjar problemas? - Edgar achava toda a ideia relutante, mas ainda assim respondeu: - Vais ter de me recompensar por isto! - Simone sorriu e completou. - Vai pensando nisso... - O alarme de incêndio soava altíssimo e os trabalhadores evacuaram rapidamente as instalações. Edgar correu para fechar as portas e selá-las novamente, enquanto Simone libertava a solução na ventilação. Após ter feito isso voltou para o local onde tinha deixado Mário e Cecília. Encontrou apenas a rapariga, já com o fato vestido, mas nem um sinal de Mário. - Onde está o Mário? - Questionou Simone. Cecília respondeu calmamente: - Ele disse que ia buscar mais garrafas de oxigénio. - Simone começou a entrar em pânico e perguntou: - E a Cecília acreditou nisso? - Porque não haveria? - Respondeu a rapariga confusa. Simone correu novamente para a morgue, o seu instinto não poderia estar correcto. Se assim fosse, tudo o que tinham planeado ia ser uma enorme catástrofe.

Fénix - Parte 6

Simone e Edgar apressaram-se a retirar Mário e Cecília do interior da morgue. Fecharam a pesada porta e continuaram a ouvir os graves ruídos constantes. Mário foi o primeiro a levantar questões: - Vamos deixá-los ali? - Edgar respondeu de imediato: - O que sugere? Servir um "cházinho" de tília a todos eles, e dar-lhes a notícia de que morreram acompanhada de bolo de iogurte? - Simone reparou instantaneamente no silêncio mórbido de Cecília e, ainda com o fato macaco vestido, abraçou-a. - Vamos encontrar uma solução. - Mário e Edgar ainda trocavam palavras azedas. O primeiro por defender os direitos de todos que sofregamente tentavam sair da escuridão da morte. O segundo por pensar ser impossível manter todos calmos e estóicos.
No clímax da questão Simone sugeriu introduzir na ventilação do edifício uma solução que causasse sonolência em todos os infectados (agora ressuscitados). Edgar achou a ideia brilhante: - Isso é genial! Assim temos tempo para perceber o que se está a passar. - Mas Mário lançou uma questão que evidenciava o seu ponto de vista relutante: - Mas eles não têm um metabolismo funcional. Como é possível que a droga faça efeito? - Desta vez Simone respondeu ironicamente: - Como é possível que tenham acordado? - Todos os olhares se fixaram em Cecília, que completou o resto da ideia: - Não há como tentar...
Os sons continuavam a ecoar entre as paredes e as portas, a vibração sentia-se no chão e no tecto. Enquanto Simone e Edgar tentavam encontrar uma droga que adormecesse todo o edifício, Cecília e Mário tentavam encontrar um fato para que a rapariga morta pudesse ficar protegida do sono não eterno.

quinta-feira, novembro 20

Interstellar


ATENÇÃO: Contém Spoilers

Uma viagem ao outro lado do universo para desvendar o que está mesmo por baixo do tapete.

Christopher Nolan regressa ao grande ecrã com mais um filme de ficção (neste caso cientifica), que transparece uma complexidade emocional muito diferente do género.
Matthew McConaughey não está no topo das suas performances, mas consegue cativar o espectador. Anne Hathaway fica muito longe de qualquer expectativa, talvez pela superficialidade da sua personagem. Jessica Chastain e Michael Caine são os actores mais presentes em todo o filme, mantêm uma enorme solidez e firmeza nas suas interpretações.
O deslumbre dos efeitos especiais e da ginástica gráfica ao longo do filme fez perder um interesse especial na qualidade e fundamentação das personagens, ou seja, traduzindo isto por palavras miúdas, qualquer uma das criações fictícias de Nolan tem uma gigantesca ausência de conhecimento e conteúdo. É complicado definir qualquer que seja a personagem neste filme, porque na realidade nenhum de nós consegue verdadeiramente conhecer aquilo que nos é apresentado, é essa ausência de características que é notável (e evidente) ao longo do filme. 
O argumento é complexo, equilibrado, e intenso, qualidades difíceis de reunir, mas que os irmãos Nolan parecem conseguir fundir. (Sendo que Jonathan Nolan continua a ser o génio da escrita.)
Hans Zimmer é a chave para uma viagem intensa ao espaço, sem nunca perder o ritmo e o interesse musical (mas isto não constitui uma grande surpresa).
A fotografia e os efeitos especiais são de elevadíssima qualidade, e muito provavelmente terão lugar marcado nos óscares deste ano.
O que mais desilude em todo o filme é o final extremamente previsível, e quase que poderei dizer enfadonho. Após estar longas horas à espera de uma resolução lógica e inesperada, eis que Nolan nos surpreende com algo esperado (e de certa forma óbvio). Utilizando uma metáfora simples é como caminhar numa estrada cravejada de obstáculos e na meta não existe nenhuma surpresa ou recompensa, apenas mais do mesmo. Com isto não alimento a premissa de que o filme possa ser aquilo a que designamos de mau, mas na realidade não acrescenta nada de surpreendente.
Confesso que a princípio a ideia de que o amor é a maior força universalmente desconhecida e intemporal, causa muita relutância aos mais cépticos, e parece-me algo forçada. Mas se analisarmos com alguma serenidade e equilíbrio percebemos que o verdadeiro objectivo de Nolan não é afirmar que o amor é a resolução para todos os problemas da humanidade, mas sim a confiança que nasce a partir de relações humanas, que se tornam estreitas e atentas com o tempo, e de certa forma com os espaço. Ou seja, o amor é um cocktail de tantos outros sentimentos e situações, que culminam na esperança de acreditar que o espaço e o tempo não são imutáveis. Ainda mais interessante do que o significado do amor é aquilo que ele representa, é o papel que desempenha na luta pela sobrevivência e na preservação da espécie. Esse sim é o tema essencial e fulcral em todo este filme. Até onde somos capazes de ir para sobreviver? Serão os laços entre nós suficientes?

Em suma, o filme é magnificamente complexo, mas dificilmente alcançável.

segunda-feira, novembro 17

Fenix - Parte 5

Cecília estava tão assustada quanto Simone. Enquanto o medo e a surpresa criavam um cocktail hormonal estonteante, Simone tentou sentir as pulsações de Cecília, pelo que não conseguiu. A jovem despida, e aparentemente viva, perguntou à cientista: - O que se está a passar? – Simone demorou algum tempo a responder, queria ter a certeza que não era a imaginação a atraiçoá-la. – Qual é a última coisa que se lembra Cecília? – De uma máquina a apitar e do Drº Mário a agarrar-me a mão… - Isto vai parecer-lhe um pouco estranho. Mas a Cecília morreu… - Após largos segundos de silêncio Cecília recordou a conversa que teve com Mário, e olhou para o seu corpo suturado. Não gritou, não se assustou, não verteu uma única lágrima, simplesmente perguntou: - Como? – A cientista sabia tanto quanto ela e por isso respondeu: - Não sei. Vamos tentar descobrir. – Estendendo a mão para auxiliar Cecília a sair pegou num saco de transporte de cadáver e cobriu-a. – Espere um pouco, vou chamar os outros. – Deixando a jovem sentada, saiu aparentemente calma, fechando a porta atrás de si.
Simone correu pelos corredores até encontrar Edgar e Mário. Ofegante por ter percorrido uma enorme distância a uma velocidade vertiginosa, gritou: - Vocês têm de ver isto! Já! – Edgar e Mário seguiram-na sem hesitação e sem perguntas.
Antes de abrir a porta Simone disse: - Não se assustem com o que vão encontrar. E mantenham a mente aberta. – Edgar tinha um fraco por graçolas e respondeu: - A minha mente está sempre aberta para ti! – Simone rolou os olhos e abriu a porta.

Cecília estava sentada embrulhada num saco preto e quieta com o olhar fixo nos três cientistas. Mário ficou completamente boquiaberto, de tal forma que correu para Cecília e agarrando-se carinhosamente à antiga pupila. Edgar apoiou a mão no ombro de Simone e perguntou: - Como é que possível? – Simone riu-se e perguntou: - Ainda manténs a mente aberta? – Edgar ignorou o comentário e fixou novamente o olhar na rapariga. – Temos de a levar para uma sala de isolamento. – No preciso momento em que Edgar proferiu estas palavras um forte estrondo ecoou na sala. – O que é isto? – Perguntou Mário. – Simone fitou Cecília, e ouviu-se outro barulho igualmente estrondoso. – O que se está a passar? – Perguntou Edgar. Eram cada vez mais os barulhos, e cada vez mais fortes. Simone olhou para Edgar e respondeu à pergunta: - Aparentemente não foi só ela que acordou.

domingo, novembro 9

Fénix - Parte 4

Simone caminhava no corredor do centro com o seu fato macaco branco. Já não sabia o que havia de fazer para encontrar uma solução. Todos os infectados pareciam morrer de formas diferentes, era como se o vírus se adaptasse a cada organismo e se aproveitasse das fraquezas de cada um. Nunca ninguém tinha a mesma sequência de sintomas. Era uma panóplia de diversidade impressionante, não havia raciocínio lógico, era impossivel prever o número de infectados. Resolveu regressar à “paciente zero”, Cecília. Abriu a sala onde estavam as arcas frigoríficas, a porta era pesada e emitia um som estridente e irritante, tentou travá-la para que não se fechasse. De repente ouviu um barulho ensurdecedor dentro de uma das câmaras. Simone petrificou, não pelo frio, mas pelo espanto do sucedido. Parecia que havia ali alguém vivo e a tentar sair. Caminhou para a fonte do ruido, até que este parou. Julgou estar a sonhar, não estava convicta de que o barulho tivesse alguma vez existido. Assim que pousou os olhos no papel que trazia nas mãos o barulho começou novamente. Simone correu para a origem, abriu a porta e o que viu deixou-a completamente boquiaberta.

Cecília olhou novamente para os pés e viu uma mulher completamente vestida de branco. Assustou-se e ficou quieta, de olhos bem abertos e fixos no rosto da sua suposta salvadora. Simone fitava a rapariga morta, mas viva. Puxou a maca e observou o corpo de Cecília, a pele branca doentia, os lábios arroxeados, os fios de sutura espalhados por todo o corpo, e os olhos vivos e esbranquiçados faziam com que Simone se arrepiasse. O medo ainda não se tinha apoderado dela, mas não estava muito longe.

sexta-feira, novembro 7

Fénix - Parte 3

Cecília começou a sentir dores de cabeça insuportáveis, edemas nos membros superiores e inferiores e sobretudo perda de apetite. Mário sugeriu que isolassem todos os indivíduos infectados até se perceber o que estava realmente a acontecer.
Cecília estava fechada numa sala branca, onde mal se distinguia o tecto do chão. As paredes envidraçadas, os fatos insufláveis não permitiam que ela percebesse quem estava a tratá-la. Até que do outro lado do vidro viu o seu maior ídolo. – Drº Mário!! – Gritou histérica. Mário era um homem frio e indiferente ao sentimento humano. Mas naquele momento, sorriu de orgulho e chorou de dor, sabia o destino de Cecília e de todos os outros que tinham experimentado a sua criação. – Drº, o que se passa? – Perguntou Cecília despreocupada. – Cecília, o vírus não está a funcionar como prevemos. – Como assim? – As suas células não estão a aguentar a recombinação genética. Estão a morrer. – Cecília não queria acreditar naquilo que ouvia. – Mas não há nenhuma solução? – A Cecília é o “paciente zero”. – Aquela frase significava morte, irremediavelmente. – Então e a minha autópsia? Pode salvar os outros? – Mário ficou surpreendido com a pergunta. Cecília era de facto especial, só ela poderia ter um acto tão nobre e altruísta. – Penso que sim. – Mário sorriu, e Cecília retribuiu o sorriso. – É muito corajoso da sua parte. É um orgulho tê-la como colega. – Cecília soltou uma lágrima e respondeu: - Obrigada doutor. Também foi um prazer trabalhar consigo. – Nos dias que se seguiram Cecília teve dores no corpo, perda de mobilidade, perda de visão, surdez e por fim enfarte fulminante.
Os restantes infectados estavam todos a caminhar a passos largos para a morte. Cecília tinha de ser examinada o mais depressa possível. Não se conseguia perceber a razão para as células estarem a morrer. Mário só conhecia duas pessoas capazes de descobrir o que estava a acontecer, Simone e Edgar.

quinta-feira, novembro 6

Fénix - Parte 2

Mário sabia que tinha cometido um erro. Aquele vírus não era suposto ter saído do laboratório. Não poderia imaginar que se iria dissipar de forma tão rápida e incontrolável. Só tinha passado um mês e meio desde o incidente, e já tinham sido disseminadas mais de três mil pessoas. Quando libertou a sua criação, não fazia ideia que efeito poderia ter no ser humano. Infelizmente a consequência mais dramática era a que estava a acontecer. A sua assistente Cecília era a mais prestável e amorosa das criaturas, como teria sido possível ele tê-la submetido a tal atrocidade?
Cecília tinha vinte e cinco anos e estava a viver o sonho de uma vida. Tinha conseguido entrar no Centro de Doenças Infecto-Contagiosas por mérito próprio, e trabalhar com o melhor especialista em microbiologia do planeta. O entusiasmo era constante na sua vida. O trabalho era tudo aquilo em que conseguia pensar. Tinha deixado para trás todo o convívio social, todas as relações amorosas, todos os laços familiares, em prole daquilo que julgava ser a melhor coisa que lhe tinha acontecido na vida. Quando Mário lhe tinha sugerido ser cobaia da sua experiência não sentia qualquer medo ou insegurança, queria ser voluntária. A ideia era genial, o vírus iria servir como um potenciador celular e aumentar as capacidades físicas e intelectuais do "infectado". Na verdade, Cecília tornou-se muito mais forte e rápida, aumentou dez vezes a sua capacidade de raciocínio matemático e três vezes mais a sua capacidade dedutiva. Parecia que tudo estava a funcionar. Cecília tinha saiu de quarentena treze dias depois de ter sido infectada.

Ninguém conseguiu prever a velocidade de transmissão do vírus. Rapidamente toda a família e amigos de Cecília tinham as mesmas capacidades e qualidades que ela. Parecia um sonho tornado realidade. Até que o vigésimo sexto dia chegou.

Fénix - Parte 1

Cecília ouviu um ruído metálico e estridente, abriu os olhos e o negrume manteve-se à sua volta. Conseguia sentir o inox gélido onde a tinham deitado, mas não sentia o peso da roupa, nem o ar exterior. Lançou as mãos para a frente e apercebeu-se que estava presa numa caixa. Seria um caixão? Olhou para os pés e viu uma fresta de luz. Impaciente e nervosa pontapeou a parede, que lhe parecia uma porta resistente, nada se mexeu. Continuou a forçar a parede frenética e insistentemente, sem obter resultado algum. O barulho que a tinha acordado foi extinto com a mesma rapidez com que havia aparecido. Não sabia se era o pânico, ou se de facto já não existiam ondas sonoras que produzissem aquele som. Ao fim de várias tentativas infrutíferas deixou de tentar abrir a porta (ou parede) que deixava escapar uma aresta de luz. Manteve-se em silêncio durante escassos minutos, o frio venceu-a e o seu corpo começou a tremer.

Edgar trabalhava na morgue de um centro de doenças infecto-contagiosas. Há muito tempo que não tinham tantas autópsias em atraso, há décadas que não davam tanta importância ao trabalho que fazia. O cansaço começou a tomar conta do seu corpo, já não aguentava nem mais um minuto. Edgar caminhou praticamente inanimado para a máquina de café e esperou pacientemente que a cafeína lhe fizesse efeito. Sentiu passos de corrida no corredor. Olhou curioso para a porta automática e esperou que não fosse outra pessoa chamá-lo para mais uma autópsia. – Edgar? – Ed! – Uma voz aguda e, outra grave, gritavam insistentemente por ele. – Sim? – Perguntou pesaroso. – Assim que viu os dois colegas sem fôlego levantou-se num ápice. – Que se passa? – Perguntou nervosamente. – Temos mais cinco! – Edgar deitou o copo de plástico no lixo e desejou que aquele vírus nunca tivesse abandonado o laboratório onde havia sido criado.

quarta-feira, outubro 22

Manon - Royal Opera House

Ballet de excelência no cinema mais próximo.

Manon foi exibido dia 16 de Outubro, em directo, em salas de cinema espalhadas pelo globo. A experiência é fantástica e muito enriquecedora. 
Esta peça narra a história de uma jovem que se vê tentada por fortuna e poder, mas para o obter terá de se afastar do amor da sua vida. É esta caminhada e as suas consequências que dão vida a este bailado.
Marianela Nunez e Frederico Bonelli são os bailarinos eleitos para protagonizar Manon. A bailarina é absolutamente divina, é talvez a melhor interpretação que eu alguma vez vi na minha vida. A paixão que revela em cada passo, a harmonia com que dança é absolutamente genial. Frederico Bonelli é igualmente maravilhoso. E juntos têm uma química inigualável. Ricardo Cervera teve uma interpretação cómica, dramática e irreverente, é um bailarino muito interessante.
Kenneth MacMillan é um génio no ballet clássico. E o sua obra Manon foi criada para chocar, a sensualidade presente em qualquer um dos actos é magnética. E a movimentação dos bailarinos é estonteante, de tal forma que perdemos a noção do espaço e ficamos enfeitiçados com os movimentos e interpretações. Qualquer um dos actos prima pelo rigor coreográfico e pelo pormenor no estilo. Destaco a simplicidade apaixonante do último acto, que mergulha o espectador na melancolia, e torna tudo muito mais perfeito.
Para além de tudo isso a música e o guarda-roupa são memoráveis.

Foi uma experiência maravilhosa e a ser repetida brevemente.

sexta-feira, outubro 10

American Horror Story Season 4 - FreakShow

Após uma prolongada ausência por motivos profissionais e também porque o cinema não teve muito para oferecer este verão, regresso com American Horror Story - Freakshow.

Após uma terceira temporada mais fraca do que o habitual, American Horror Story regressa com expectativas mais baixas.

Jessica Lange e Kathy Bates continuam a ser os pontos mais fortes, conseguindo superar o poder do argumento e transformar os momentos na tela. Um forte destaque para Evans Peters que regressa em grande forma e força. Apresenta-nos uma personagem que promete ser o centro das atenções e levar o terror ao extremo. Sarah Paulson tem um grande desafio nesta temporada, que começou com boas expectativas. A personagem da actriz lança também um gigantesco "problema" ao director de fotografia.
Este Freakshow requer uma supervisão cuidadosa por parte da realização, tanto na fotografia e montagem como nos os efeitos especiais. Ambos são extremamente exigentes e os espectadores estão cada vez mais atentos ao erro. E é de notar que o tempo para construir uma série não é o mesmo que escrever um livro ou realizar um filme, há prazos a cumprir, e o rigor tem de ser mantido.
Michael Goi (director de fotografia) é já conhecido e reconhecido pelo seu trabalho, o que me parece meio caminho para o sucesso.
Nos efeitos especiais parece-me que o desafio será superado, penso que continuará a ser da responsabilidade de Steve Galich (mas não tenho a certeza), se assim for, não haverá grandes preocupações. Noto que os nomes que apareceram no primeiro episódio foram de Justin Ball e Kyle A. Wasserman, o que também não me parece um problema de relevo.
A dupla Brad Falchuk e Ryan Murphy, parece-me uma excelente aposta e promete um desfecho inesperado. O grande problema é quando acrescentam variáveis à equação.
Tecnicamente a série está muito bem entregue. Esperemos que não alterem o rumo e acabem como na temporada anterior.
Sarah Paulson e Evan Peters são os cabeça de cartaz nesta temporada. Parece-me arriscado colocar uma actriz que desempenha um papel complexo e tecnicamente difícil, e um actor demasiado jovem como lideres de bancada. Por esse motivo Jessica Lange e Kathy Bates serão um impulso estritamente necessário e imprescindível nesta temporada. Curiosamente (ou não) esta foi a única temporada que me fez olhar por cima do ombro durante a noite. Talvez porque o palhaço sorridente seja um ponto forte no imaginário do terror. Pessoalmente os palhaços incomodam-me, e espero que no final de Freakshow, a maioria os espectadores possa concordar comigo, ao invés de se rir. Para finalizar fiquei intrigada com a personagem de Finn Wittrock e Frances Conroy, houve uma dinâmica interessante, que fez pairar o suspense e a expectativa.

Boas noites... E tenham cuidado com as gracinhas...

quinta-feira, setembro 11

You're not you


Duas actrizes geniais um realizador fantástico prometem uma grande história...

segunda-feira, agosto 18

Dead of a SuperHero (2011)


A morte tem o poder de mudar a vida.


Dead of a Superhero é a história de um rapaz com "prazo de validade" a expirar. Tal como todos os adolescentes tem pais preocupados e pesarosos. É nesta aventura de banda-desenhada que Donald vai embarcar e perceber que apesar da sua vida correr num fio e não numa estrada, o balanço entre a vida e a morte pode ser o principio de uma surpreendente história.
A realização está estrondosa, e o argumento cativante a cada diálogo, existe um poder magnético entre as personagens, existe um espírito de esperança vaga e ambígua que se protege com o desconhecido, existe um invólucro de consciência amarga que não deixa respirar o alivio. Não é uma história de amor, não é uma história de vitória, não é um drama veloz, é a realidade de alguém que conhece o inevitável e caminha para a sua própria aceitação, procurando não sofrer com o medo.
A interpretação de Andy Serkins é mágica, que juntamente com Thomas Brodie-Sangster torna toda a narrativa numa marcante viagem à história de muitas realidades.
Alguns heróis são ingénuos, acreditam que na verdade o inevitável é impossível, os outros heróis diferentes, confrontam o inevitável com a aceitação impossível.

"Life is a sexually transmitted disease, spread by people having sex. And then in the end it kills you." - Donald Clarke

The Imitation Game


Depois de umas temporadas de cinema horripilante, dois dos melhores actores da actualidade (Benedict Cumberbatch e Keira Knightley) numa história que promete ser magnifica. Esperemos que o realizador (Morten Tyldum) e argumentista (Graham Moore - 10 Things I Hate about You) estejam à altura.

domingo, julho 20

Aritmética Vindicta - Parte F

Petra e Salvador estiveram longas semanas no hospital, mas tudo funcionou como deveria ser. Vitória começava a sentir ciúmes doentios dos dois amigos, não conseguia controlar os seus instintos, e a amizade começou a corroer.
Petra e Salvador encontravam-se no café da esquina sem o conhecimento de Vitória: - Eu não percebo porque é que ela está assim… - Afirmou Petra com alguma melancolia. – Eu não devia ter aceitado a tua proposta. – Não sejas parva! Eu fiz o que tinha de ser feito, és minha amiga, e precisavas de ajuda, essa é a minha missão. – Petra sorriu inocente para Salvador, e ele sentiu-se reconfortado, incomodamente reconfortado, ele apercebeu-se de algo desconfortável, estava apaixonado, e ela não estava assim tão interessada.
Vitória observava-os de longe pelo vidro do café, criou dentro de si uma raiva impetuosa, e também descobriu algo perturbador, ela já não era Vitória, era uma mulher diferente, uma mulher escondida na mente apaixonada daquela que tinha nome de feliz resolução. – Eu vou destrui-los! – Exclamou a voz da segunda personalidade.
A oficial namorada de Salvador não sabia que entre eles não havia nada, a sua mente doente e inconsciente da existência de duas personalidades no mesmo ser, preparou uma vingança doentia.
Salvador foi até casa de Vitória, ela aguardava-o pacientemente. – Olá Vi! – Olá…. – Que se passa contigo? – Salvador detectou uma diferença no tom de voz. – Nada. – Conforme Salvador se curvou para a beijar, Vitória espetou-lhe uma seringa no pescoço e ele cai instantaneamente no chão, agora só tinha de lhe apagar a memória, e continuar a ser a única mulher na vida dele.
Ligou para a casa da amiga, Petra atendeu o telefone: - Estou! – Petra? – Perguntou Vitória num tom assustado. – Sim! Vi? Diz! Que se passa? – Petra ficou verdadeiramente alarmada! – Vem depressa! O Salvador desmaiou na minha sala! Preciso de ajuda para o levar para o hospital! – Vou já! – Petra largou o telefone e correu até casa de Vitória. Viu a porta encostada e entrou sem questionar. – Vi? – Petra procurava a amiga, até que encontrou Salvador no chão, conforme pensou em caminhar para ele, Vitória agrediu-a violentamente, Petra caiu no chão e Vitória esfaqueou-a no peito. Petra teve morte imediata.

Salvador sentia os olhos pesados, e a confusão atingiu-o, abriu as pálpebras vagarosamente e viu Vitória: - Estás bem amor? – Salvador expressou intriga e perguntou: - Quem és tu? – Vitória sorriu e perguntou: - Não te lembras de mim?

Fim(?)

Aritmética Vidicta - Parte E

Petra era estudante de medicina, Vitória era estudante de arquitectura. Elas eram inseparáveis, completamente dependentes uma da outra. Salvador era vizinho de Petra, namorado de Vitória, estudante de medicina.
Petra era uma jovem divertida, sociável e irreverente, Vitória era sossegada, reservada e conformista. Os três viviam em perfeita comunhão, não havia nada nem ninguém que os conseguisse separar, até ao dia em que Petra adoeceu, e Salvador não conseguiu resistir.
Petra sofria de insuficiência renal crónica desde os 20 anos, não tinhas grandes prespectivas de encontrar um dador, e sonhava viajar, mesmo que soubesse que não iria conseguir. Num tímido dia de Outono os três conversavam no alpendre da casa de Vitória, Salvador falava do seu último heroico acto, da forma como salvou um doente com uma transfusão do seu próprio sangue, AB-. – Olha esse é o meu tipo de sangue! – Reagiu Petra entusiasmada. – A sério? – Salvador ficou surpreendido, como é que era possível conhecerem-se há tanto tempo e não saberem o tipo de sangue uns dos outros? Salvador teve um laivo de loucura e ponderou no interior do seu ser: Será que somos compatíveis? A tarde fluiu, a noite passou e o dia seguinte foi de investigação clínica. Salvador estagiava no mesmo local onde Petra fazia os tratamentos, conseguiu o sangue dela com facilidade e fez os testes que precisava, descobriu que ele seria o dador perfeito.

Petra e Vitória rejeitaram a ideia de Salvador, mas a insistência do jovem convenceu-as. O dia da cirurgia chegou, a anestesia fez efeito sobre Salvador, não se lembrava da cirurgia, lembrava-se de Petra, queria saber como ela estava, queria vê-la, Vitória começou a sentir ciúmes, Petra não sentia nada para além das dores da cirurgia, o destino começou a tecer as suas malhas.

segunda-feira, junho 23

Aritmética Vindicta - Parte D

- Como é que… - Eu viu-o a tocar à campainha, estava à janela. – A rapariga não parava de sorrir. – A sua mulher não sabe que está aqui, pois não? – Salvador olhou para aquela que parecia ser irremediavelmente a mulher que o assombrava de todas as formas possíveis, e respondeu: - Não. – Eu pergunto-me porquê… - Uma intensa troca de olhares carregou o saturado ambiente do carro. Salvador tinha a estranha sensação que já a conhecia, o olhar dela era-lhe familiar, subitamente o desejo deu lugar à saudade, o sentimento indiscritível em qualquer outra língua ou dialecto, preencheu-o por completo, o médico sentiu-se preso em si próprio e respondeu às reticências: - Eu sei que a conheço, mas não sei de onde. – Petra riu-se com uma estridente gargalhada, e respondeu: - Você é muito mau nisto! Outra resposta e provavelmente já estaríamos a embaciar os vidros do carro! Mas com essa afirmação vou para casa jantar, porque tenho fome. – Petra saiu do carro a rir-se, como se o que Salvador tivesse dito fosse amplamente ridículo. O médico perseguiu-a com o olhar, ligou o motor do carro e regressou a casa.

Salvador tentou abrir a porta da garagem, contudo não conseguiu. O comando tinha avariado, deixou o carro na rua e dirigiu-se para a porta. Enquanto caminhava, sentiu arrepios e passos atrás de si, quando tentou virar-se para perceber o que se passava, sentiu um braço a apertar-lhe o pescoço e um pano a cobrir-lhe a boca, deixou de ver, deixou de ouvir, adormeceu. Acordou deitado na sua cama, amarrado e amordaçado, aos seus pés estava Vitória, um homem velho e um novo. Assim que se apercebeu que o marido tinha acordado Vitória aproximou-se a chorar, dizendo: - Salvador, tens de parar com isto! Ela morreu há anos! Tens de a esquecer, ou vamos continuar a viver assim! – Salvador não entendia o que isto queria dizer, o homem novo preparava uma seringa com um conteúdo amarelado, o homem velho dirigia-se para ele. O pânico do médico crescia exponencialmente até que o líquido mistério o adormeceu, aos poucos, Salvador foi esquecendo. Petra ficou adormecida na memória, esquecida, mas por mais quanto tempo?

Yves Saint Laurent

O nome que mudou a alta costura feminina.

Yves Saint Laurent é o costureiro que tornou a mulher mais forte e simultanemente sensual, com as suas linhas masculinas e lineares, cores garridas, assimetrias e texturas marcantes.
Jalil Lespert é um realizador novo e que arrisca dirigir um filme sobre a vida de um homem revolucionário e contorverso no mundo da moda. Como resultado tem uma produção com um argumento pouco dinâmico e cativante, mas com interpretações marcantes. Com uma fotografia tímida mas inteligente, subtil e sublime.
A genialidade deste homem é retratada de uma forma detalhada e marcante, mas que não consegue envolver o espectador, existem momentos em que o costureiro é reduzido a um homem fútil, lunático e desiquilibrado, em que Pierre Bergé assume um papel determinante no seu negócio e progessão do seu talento.
A obra poderia ter caminhado mais alto, no entanto, ficou-se por uma banal longa metragem, com pormenores irrelevantes e momentos constrangedores.
Yves Saint Laurent foi uma figura marcante na alta costura, mas esta pelicula não consegue acrescentar interesse na biografia deste homem, que com certeza teria muito mais para revelar ao mundo.


sexta-feira, junho 13

Aritmética Vindicta - Parte C

Salvador passou o dia intrigado, suspirando a cada esquina dos corredores doentios do hospital, quem seria Petra? Era a pergunta que o perseguia, ou melhor, era ele que perseguia a pergunta, na realidade somos nós que criamos as questões, e tal como uma mãe persegue um filho, nós perseguimos as nossas próprias questões. A noite caiu e ele teve de regressar a casa, assim que pôs a chave na estreita fechadura, ouviu o som abafado dos chinelos de Vitória, a sua mal amada e esquecida mulher, aquela que por força do amor e do dever ocupou todo o seu tempo a cuidar da casa. - Olá amor! – Disse a encantadora voz aguda, daquela que poderia ser a melhor esposa de sempre. – Olá querida, como foi o teu dia? – Vitória aguardava ansiosamente todo o dia por aquele momento, os minutos que o marido dedicava a ouvir detalhadamente cada episódio emocionante do seu dia. Salvador nunca ouvia o que a mulher dizia, aguardava pacientemente que ela terminasse para que se pudesse sentar a jantar silenciosamente com os seus incompletos pensamentos. Desta vez sentia-se ridicularizado, mas atraído, frustrado, mas interessado. Dificilmente conseguiria equilibrar o que sentia, a nuvem turva de fascínio e indignação não permitiam que o fizesse. – Está tudo bem querido? – Perguntava Vitória preocupada. – Está. Estou apenas cansado, preciso de me deitar cedo. – Vitória sorriu, beijou a testa do marido e acariciando-lhe o rosto. – Então vai. Eu trato disto. – Salvador beijou calorosamente a mulher, pensando que tinha a maior sorte do mundo em tê-la encontrado, no entanto, Petra não abandonava o seu pensamento.
Salvador estava sentado numa poltrona no seu quarto, repousava a mente e o espirito. Quando finalmente se encontrava na penumbra entre o sono e a realidade ouviu uma voz sussurra-lhe ao ouvido: - Rua Porto Venâncio, nº 43. – Salvador acordou sobressaltado. Porque estaria ele a recordasse da rua onde vivia enquanto criança? Ele morava no número 33 e não no número 43. No seu interior sentiu uma impetuosa vontade de caminhar até ao nº 43, era só meia hora de carro. – Querida tenho uma urgência. – Mas… - Eu venho cedo! – Salvador antecipou-se à intervenção da mulher, ela não discutiu, ela não argumentou, remeteu-se ao silêncio e continuou o seu trabalho de doméstica.

Salvador dirigiu o carro a uma velocidade vertiginosa, não se conseguia controlar, o seu lado racional murchou, deixando espaço para florescer aquilo a que chamamos emoção, não havia explicação lógica. Estacionou o carro quase em frente ao nº 43 e correu até lá. Tocou à campainha, esperou, não sabia o que iria encontrar, não sabia o que dizer. Foi assaltado por um momento de lucidez e correu novamente para o carro, espreitando quem viria abri-lhe a porta. E lá estava ela, Petra, a mulher mistério era sua vizinha desde sempre. Teve medo de sair do carro, teve receio de falar, assim que ela fechou a porta ele suspirou de alívio, colocou a cabeça em cima do volante, e fechou os olhos, manteve-se assim por tempo indeterminado. Finalmente saiu da posição de repouso, e apercebeu-se que alguém tinha entrado para o banco de trás, assim que desviou o olhar para desvendar o mistério, viu-a novamente, Petra. – Olá boa noite! O que faz por aqui? – Salvador olhou para ela assustado. Naquele momento sentiu-se louco. Estaria?

quinta-feira, junho 12

Penny Dreadful - Season 1

O vértice que funde o terror ficticio ao real.

Penny Dreadful é a combinação mais improvável de realização e produção, já para não mencionar o complexo encontro de actores tão distintos.
John Logan tem um projecto ambicioso e que facilmente pode cair no precipício do ridículo. Sam Mendes abraça um estilo que não é o seu, o que facilmente o pode penalizar. O resultado é dificilmente aquilo que um espectador mais atento espera, o sucesso. 
O argumento é uma teia de intriga tremendamente viciante, de tal forma que nunca consegue perder a intensidade, este é o departamento de Logan, que se resume a uma misera palavra; perfeito. A direcção ainda não encontrou um ponto de equilíbrio, notam-se as diferenças de estilos. J.A. Bayona sobressai com maior evidência, no entanto, James Hawes também se consegue "fazer ver", tal como Dearbhla Walsh, mais discreta fica Coky Giedroyc. A fotografia tem de ser destacada com as honrosas presenças de Xavi Gimenez, Owen McPolin e P.J. Dillon, especialmente o último, que tem um trabalho mais discreto, mas igualmente fabuloso aos anteriores.
Sheila Hockin é (na minha opinião) uma das melhores produtoras de televisão, envolvida em projectos diversificados, intensos e polémicos, sem dúvida que se torna um membro essencial.
Depois de estudar ao pormenor toda a equipa técnica de Penny Dreadful, agora voltemos a câmara para quem a reconhece de frente, os actores. Timothy Dalton tem-se dedicado nos últimos anos (com maior intensidade) ao cinema de animação, regressa à televisão com um complexo papel que promete muito mais do que aquilo que até agora se tem visto, aguardemos. Josh Hartnett é um actor conhecido pela sua versatilidade e constante mudança, não é um actor a que possamos atribuir um estilo, não tem zonas de conforto. Em Penny Dreadful apresenta uma personagem misteriosa, apaixonada, representada com alguma timidez, e que não faz jus ao talento que já provou ter. Harry Treadaway tem um background interessante e uma personagem que já provou ser uma das chaves para o sucesso da complexa rede de histórias. Mas, note-se que ainda é um actor novo, e temo que a personagem possua uma elevada complexidade para o actor. Reeve Carney é uma nódoa no cast, não fortalece minimamente a personagem e aniquila o interesse do público. Isto ainda se torna mais frustante depois de Stuart Townsend ter sido um Dorian Gray extraordinário. Billie Piper seria a actriz com melhor interpretação, se estivéssemos a falar de teatro, e é tudo o que há para dizer. E como o melhor fica sempre para o fim, termino com aquela que tem sido, e será, a alma de Penny Dreadful, Eva Green. Este nome sonante provoca um misto de sensações, ela é conhecida pelos projectos contorversos e pelos blockbusters, a realidade é que Green é uma das melhores actrizes da actualidade, conseguindo sempre uma harmonia misteriosa nas suas interpretações, Penny Dreadful não é uma excepção é apenas parte de uma regra. A actriz é responsável pelos melhores momentos desta série, e sem dúvida a melhor aquisição no cast.
Para terminar, não vou adiantar o ritmo da narrativa, apenas vou alertar que o maior alimento para o nosso medo é aquilo que não sabemos que somos.

quinta-feira, junho 5

Aritmética Vindicta - Parte B

- Drº Salvador, tem duas cirurgias marcadas para hoje. – Salvador estava sentado à secretária, concentrado no seu próximo doente, espreitou por cima da armação dos óculos e sorriu respondendo: - Eu sei Celeste. Obrigada. – A rapariga sorriu como se estivesse à espera de alguma recompensa e caminhou sensualmente pelo corredor, nunca perdendo o médico de vista. Salvador tinha o hábito de almoçar no restaurante fora do hospital, sentou-se no balcão e começou a jogar no tablet. – O melhor par para o três é o da segunda fila porque liberta as duas peças que têm par. – Salvador olhou para o quadro do jogo e não moveu a tão sugestiva peça, em vez disso olhou para o lado com uma expressão indignada: - Obrigada pela sugestão. – O sorriso irónico era transparente e óbvio. – De nada. – Respondeu a rapariga satisfeita e sorridente. Continuou a olhar para as hipóteses de jogo e de facto aquela era a única saída para ganhar. Apercebeu-se que tinha demorado precisamente sete minutos e cinquenta e três a chegar à mesma conclusão que aquela rapariga e, ela tinha-o feito em segundos. Indignado fitou-a e perguntou: - Costuma jogar a isto? – A rapariga sorriu e respondeu perentoriamente: - Não! A primeira vez que vi esse jogo foi agora. – Salvador não quis acreditar na rapariga e respondeu com desdém: - Isso não possível! – Voltou a concentra-se no jogo e ouvi-a novamente falar. – Também não o conheço mas percebo perfeitamente que é médico. – Agora ela tinha conseguido captar a atenção dele. – Sim, sou. – Ela sorriu. – A arrogância, o toque suave no tablet, e a ausência de tremor diz-me cirurgião. Para além disso tem as unhas cortadas, evita sentar-se perto de pessoas mais velhas, com receio de ser reconhecido, e para além disso não usa aliança, apesar de ser casado. Como é que eu sei que é casado? Porque tem o nó da gravata perfeito, o vinco das calças impecável e a barba aparada. Nenhum homem faz a barba com regularidade se não for casado. – Salvador ficou verdadeiramente impressionado, e extremamente assustado com aquilo que tinha ouvido. A rapariga bisbilhoteira tinha-se tornado na mulher mistério. – Com tanta informação só falta adivinhar o meu nome. – Eu não preciso de saber o seu nome, só preciso de saber quem o senhor é. – Ela recebeu o batido que aguardava, piscou o olho e levantou-se. – Sou o Salvador, muito prazer. – Petra, desculpe não poder dizer o mesmo. – Agora sim o jogo estava a ficar interessante para Salvador.

domingo, maio 25

X-Men: Days of Future Past


Em todas as vidas o passado assombra o futuro...

X-men: First Class foi um achado da BD no mundo cinematográfico, as expectativas eram como sempre em filmes do género, baixas. Matthew Vaughn fez o que já tinha feito com Kick Ass, transformou o nosso preconceito e fez-nos achar possível que Marvel ou DC podem fazer bom cinema.
Em Days of Future Past, mantém-se o cast de sucesso, mas muda a realização. Regressa o ingrediente de chamariz feminino (Wolverine) e com ele regressam também as "antigas figuras" de X-Men.
James McAvoy é sem qualquer dúvida a melhor interpretação de todo o filme, é o herói dos espectadores, consegue consumir a atenção do público de tal forma que toda a acção em que não está presente torna-se irrelevante. McAvoy começa finalmente a mostrar aquilo que consegue fazer no cinema, depois de tanto tempo na sombra de grandes actores. Os nomeados pela academia (este ano) Michael Fassbender e Jennifer Lawrence não conseguem acompanhar a excelente interpretação do actor, sendo um ponto que enfraquece o filme. Hugh Jackman ganha a vantagem de já interpretar Wolverine há anos e consegue acompanhar McAvoy com facilidade. Peter Dinklage tem uma breve aparição no filme, mas nem é preciso escrever o quão magistral conseguiu ser. Evan Peters destaca-se mais uma vez, numa interpretação breve, divertida e envolvente. Patrick Stewart e Ian McKellen também são presenças breves, sobretudo a do segundo, o espectador não tem tempo para desfrutar de ambas as presenças, o mesmo acontece a estupenda Elen Page.
Os efeitos especiais e sonoros são fantásticos, como em qualquer filme do género, mas mais uma vez o argumento perde substância (em relação ao anterior). A realização pertece a Bryan Singer, que já tem alguma experiência em realizar X-Men, e consegue superar o seu filme anterior (X-Men 2).
Dificilmente os filmes fazem justiça à banda-desenhada, neste caso em particular, chega lá perto, mas Vaughn conseguiu fazer melhor.

Hannibal Season 2 Finale Review


ATENÇÃO CONTÉM SPOILERS

変態...

Chegámos ao fim de mais uma temporada de terror, alucinações, pânico e culinária arrepiante. Hannibal termina da mesma forma que começou, o ciclo fecha-se e o resultado é tudo menos o esperado.
O público sabia que Jack Crawford iria morrer, desconfiava que Alana Bloom pudesse vir a sofrer, até havia alguma desconfiança em relação a Abigail Hobbs, o que ninguém esperava era que Will Graham chegasse a todos os limites da insanidade humana. Hugh Dancy tinha nos seus ombros a maior responsabilidade de todas e cumpriu-a com uma impressionante mestria.
Fica mais uma vez a nota que as aparições de Manson e Margot Verger foram a melhor, e mais motivante surpresa da segunda temporada de suspense de Hannibal. O destino de Mr. Verger foi previsivel para os fãs, mas foi sobretudo a magnifica e monstrosa capacidade de Michael Pitt para interpretar a personagem que deixou todos completamente boquiabertos. O actor capta a completa atenção do espectador utilizando apenas o olhar e a voz, sem mexer um músculo do corpo ou utilizar expressões faciais, esta foi sem qualquer sombra de dúvida a melhor e mais espantosa cena de toda a série.
O final é macabro, sonante e chega perto do exagero (sem lhe tocar), deixando as expectativas para a terceira parte elevadas, sobretudo o desvendar da relação entre Drº Hannibal Lecter e Drª Bedelia Du Maurier.
Ainda resta elogiar a realização espantosa, bem como a produção. E sobretudo o argumento e a fotografias que não se encaixam nas mais majestosas palavras da língua portuguesa.

これは私のデザインです...

sábado, maio 10

Aritmética Vindicta - Parte A

Salvador acordou numa escuridão arrepiante, amordaçado e amarrado a uma mesa de cozinha, não conseguia sentir os seus pulsos, a respiração tornava-se incomodativa, o medo transpirava por todos os poros do seu corpo. Sentiu os passos de alguém, possivelmente uma mulher, de saltos afiados e cortantes. Estremeceu, tentou soltar-se, moveu os olhos na direcção do som, não conseguia ver nada, mesmo assim não tentou falar. Uma luz incandescente e dolorosa acendeu-se, não conseguia ver com nitidez o rosto daquela pessoa, mas conseguia perceber que estava coberta por uma máscara. Sentiu uma mão no seu braço, focou a sua atenção nas unhas do seu agressor, uma manicura francesa, requintada, uns dedos finos, compridos e queimados pelo sol do tórrido verão. Essa mesma mão suave destapou-lhe a boca. Salvador não gritou, o medo era efervescente, começou a tremer, a sua voz trémula perguntou à assustadora figura: - Isto é alguma brincadeira? – Não obteve resposta, voltou a ouvir os saltos ecoar e a luz ficou mais intensa. Durante alguns segundos ponderou o que poderia ser tudo aquilo e equacionou gritar, esperou 30 segundos contados pelo reaparecimento da figura, sem conseguir perceber o que se passava gritou por socorro e ao mesmo tempo sentiu uma dor cortante no pé, a sua voz tornou-se mais aguda e as lágrimas começaram a florescer. A luz apagou-se, o terror aumentou, uma vela acendeu-se e os passos regressaram. Salvador gritou ainda com mais força, as suas cordas vocais vibravam ao ritmo alucinante do pânico e a mesma mão que o tinha soltado começou a sufoca-lo. Finalmente, ouviu a voz aguda, suave e calma do seu agressor: - Não é uma brincadeira Salvador. Chame-lhe antes absolvição. – Reconhecia a voz débil e perturbada, reconhecia o toque, e reconhecia a loucura.


[Quem será a mulher? Será real? Apostem e vejam se conseguem encontrar a resposta. Fico à espera. Obrigada.]

Michael Pitt & Katharine Isabelle - Hannibal Season 2

O cinema tem perdido qualidade, a televisão tenho ganho. Mas os convidados de Hannibal têm dado que pensar.


O talento de Michael Pitt há muito que foi descoberto, com tantas personagens perturbantes que tem encarnado, chega-nos agora a actriz que combina perfeitamente com a sua influência histérica, Katharine Isabelle (também ela com provas dadas no cinema).
Os irmãos que se odeiam até à morte, que cobiçam fortuna, poder e faculdades um do outro. O coleccionador de lágrimas e a assassina em série tornam-se vitais para os momentos mais intrigantes de Hannibal. Todo o misticismo que rodeia Lecter e Graham é completamente ignorado com a excelente entrada destas duas magnificas personagens. Conseguimos sentir o ódio de Margot e o prazer de Mason a cada segundo que eles se aproximam do ecrã. Com o tempo as pernagens chave, como Bloom e Crawford perdem vivacidade e fulgor, algo que deveria preocupar a realização, caso a ideia seja eliminar os dois irmão de cena.
Em suma, fica aqui a nota de que a segunda temporada de Hannibal ficou muito mais arrepiante com as novas aquisições. 
Estaremos presentes para comentar a Season Finale.
 戴きます.

domingo, março 30

Hannibal Season 2

Paciência é uma virtude dos heróis.

A minha intenção era comentar a série apenas no final, visto que a premiere desta temporada foi um estrondoso sucesso que dispensou comentários.
Bryan Fuller e Thomas Harris estão a querer superar todos os seus anteriores projectos e a surpreender a cada episódio. Apesar de ainda existir alguma previsão da conclusão dos acontecimentos, o espectador não consegue prever o desenrolar da acção, torna-se impossível sentir desinteresse com um argumento deste nível. Para além disto, é impensável alguém não se arrepiar com as medonhas cenas de homicídio, e com a monotonia da banda-sonora.
Não há ninguém que fique indiferente a Hannibal, pois Mads Mikkelsen conseguiu aquilo que todos achavam impossível, igualar-se a Anthony Hopkins, tal como Hugh Dancy, que costumava ser uma "cara bonita" de Hollywood conseguiu brilhar assemelhando-se a Edward Norton. Note-se que é tremendamente difícil ser igual ao original, e esta dupla está a conseguir encontrar o seu ponto de equilíbrio e a superar as expectativas, inclusivamente dos mais cépticos.
Gina Torres está com uma fantástica interpretação esta temporada, tal como Jonathan Tucker. Laurence Fishburne e Gillian Anderson dispensam elogios, tal como Amanda Plummer.
Até agora o percurso percorrido por toda a equipa de Hannibal tem sido magnifico, esperemos que se mantenha até ao final. Em breve teremos o final e, obviamente, mais um comentário.

Au Revoir et Bon Appetit...

terça-feira, março 18

Ninfomaniaca - Parte 1 e 2

ATENÇÃO CONTÉM SPOILERS!!

A imoralidade do desejo, num só act().

Ninfomaníaca é a jornada de uma mulher com um incessante desejo de conforto e prazer. Lars Von Trier excede todas as suas criações com um filme (2 volumes), onde apresenta todas as suas anterior temáticas e com tudo o resto a que uma excelente longa metragem tem direito. O ingrediente vital está presente, um argumento poderosíssimo, que perfura a cada momento a sensibilidade do espectador, uma banda-sonora que estimula todos os sentidos, acompanhada por uma fotografia obscena e claramente pornográfica.
Ninfomaníaca é um filme sobre sexo, é sobre a conquista e a satisfação de possuir, é uma condenação à sociedade hipócrita, é um (des)crédito do sentimento humano. O poder do diálogo é fascinante, num instante passamos de palavras impróprias para uma imensa profundidade espiritual. As frases trocadas entre uma mulher sem rodeios nem tabus e um homem letrado com barreiras mal definidas, sobre aquilo em que julga acreditar, é um gigantesco prazer cinematográfico. Entramos numa conversa magnifica, que consome todas as quatro horas que passamos no ecrã, não é cansativo ver Charlotte Gainsbourg e Stellan Skargard num diálogo químico e assexuado.
O filme choca nas imagens que apresenta, não só pelo sexo explicito, mas também pela violência física e psicológica. Joe (Charlote Gainsbourg) é severamente chicoteada no segundo volume. Todo o ambiente da cena é macabro, a sala gélida, a fisionomia fria do homem que a maltrata, o silêncio dos gritos de dor, são um misto de indiferença e dó. A personagem coloca-se na situação de vítima propositadamente pela necessidade de se auto-destruir, mas ao mesmo tempo pela necessidade de se satisfazer, este é talvez o clímax de toda a história. Existe um universo de cenas igualmente chocantes e fantásticas, Uma Thurman tem uma participação ligeira, mas com uma intensidade arrepiante, impossível não sentir a loucura e a dor de uma mulher traída com uma interpretação tão perfeita. Destaca-se também a ingenuidade da Stacy Martin que copia quase na perfeição as ligeiros tiques de Charlotte e consegue elevar-se enquanto actriz, atraindo o espectador para a compreensão do seu sofrimento e divertimento.
No primeiro volume é explorada de forma selvagem a sexualidade de uma mulher insaciável, no segundo volume são exploradas as emoções de uma mulher sozinha, e neste ponto percebemos que o segundo volume é largamente superior ao primeiro. No entanto, a primeira película tem um ingrediente que considero mágico, a analogia entre a pesca e a exploração das potencialidades de uma mulher para seduzir, é perfeita a forma como Von Trier faz este belíssimo paralelo.
Com tudo isto, tenho a acrescentar que este filme exagera nas imagens, o realizador quis ser inédito e/ou original, em vez disso tornou-se polémico e obsceno. [Este comentário não tem como objectivo ser pudico ou descredibilizar o trabalho da realização, limita-se a constatar que existem barreiras no palco cinematográfico, que quando são ultrapassadas têm de ser medidas as consequências.] Excluindo os seus comentários infelizes Lars Von Trier é o mestre da arte de fazer cinema, e ninguém tem dúvidas disso.
O final de ninfomaníaca é fortemente previsível (pelo menos para mim, há quem diga que não), existe uma inversão de papeis estrondosa na resolução da conversa (aparentemente) assexuada. Mas curiosamente não perde o interesse, pois não deixamos de pensar que o sexo tem enormes potencia(lidades) na (des)construção humana.
Um filme perturbador e com demasiados ()'s no exercício do diálogo, é uma reflexão (in)consciente da essência da mulher.
Conclusão: E se...

segunda-feira, março 3

And the winner is...



Melhor Guarda-Roupa: The Great Gatsby - Confesso que me surpreendeu

Melhor Caracterização: Dallas Buyers Club - Mais que óbvio, mais que justo

Melhor Música Original: Let It Go - Frozen - Ridiculamente óbvio

Melhor Banda-Sonora: Gravity - Completamente descabido

Melhor Mistura de Som: Gravity - Óbvio

Melhor Edição de Som: Gravity - Óbvio

Melhor Direcção de Arte: Great Gatsby - Não era dos meus favoritos, mas foi merecido

Melhor Edição de Imagem: Gravity - Óbvio

Melhores Efeitos Especiais: Gravity - Óbvio

Melhor Fotografia: Gravity Não era dos meus favoritos, mas foi merecido

Melhor Argumento Adaptado: 12 Years Slave - O meu comentário é absolutamente desnecessário, não quero ferir susceptibilidades.

Melhor Argumento Original: Her - Merecido

Melhor Filme de Animação: Frozen - Óbvio

Melhor Filme Estrangeira: The Great Beauty - Surpreendente e algo descabido

Melhor Actor Secundário: Jared Leto (Dallas Buyers Club) - Mais que merecido

Melhor Actriz Secundária: Lupita Nyong'o (12 Years Slave) - Não entendo este resultado

Melhor Actor Principal: Matthew McConaughey (Dallas Buyers Club) - Merecido

Melhor Actriz Principal: Cate Blanchett (Blue Jasmine) - A categoria mais difícil deste ano, mas uma estatueta merecida

Melhor Realizador: Alfonso Cuarón (Gravity) - Uma categoria muito difícil, mas com uma resolução que até teve a sua justiça

MELHOR FILME: 12 Years Slave - Não era dos meus favoritos e penso que não merecia a estatueta, não foi uma surpresa, mas foi uma desilusão

Gravity arrecada todas as categorias técnicas, como seria de esperar. Acrescenta ao leque de óscares o de melhor realizador que me parece justo, apesar de estarem melhores realizadores em competição.
The Great Gatsby arrecada óscares menores, mas ainda assim é uma pequena vitória.
Dallas Buyers Club arranha a concorrência com os melhores actores.
E os grandes derrotados desta noite são American Hustle e The Wolf of Wall Street, com eles estão Leo e Martin.
12 Years Slave é o vencedor da noite mas arrecada apenas e somente 3 óscares incluindo melhor actriz secundária. Descabido? Parece que aos olhos da academia não! Mas desta vez não temos incongruências, melhor filme ganha melhor argumento, o que já me parece bastante credível (isto comparando com anos anteriores).

Mais tarde regresso que mais comentários (porque os olhos já pesam).

domingo, fevereiro 16

Her

A des/materialização do amor.

O realizador de Where the Wild Things Are, Spike Jonze, supera as expectativas e consegue apresentar-nos um magistral filme, com uma temática que apesar de explorada até às mais ínfimas consequências, chega-nos de uma forma original e profunda.
Esta é a história de amor entre um sistema operativo e um homem sonhador, exigente e solitário. A narrativa é profunda, provocante, envolvente e cativante, conseguimos ter um argumento que atinge níveis de perfeição tão intensos que as palavras não precisam de envolvimento musical. Por outro lado, temos uma banda-sonora que raramente precisa de palavras para suscitar arrepios. Temos a fusão perfeita, sempre nos momentos certos. A fotografia é atrevida e intimista, com momentos de uma profundidade única.
O filme tem um carácter muito próprio, pertence ao futuro, mas apresenta um guarda-roupa dos anos 50, mais outra combinação pouco usual mas que resulta perfeitamente.
A solidão tem vindo a ser explorada nos últimos anos em diversos filmes, especialmente em dramas. A troca das relações humanas por tecnologias de ponta não é uma novidade para todos nós, o que se torna verdadeiramente interessante neste filme é que não existe um ser humano do outro lado do auricular, é o grau de envolvimento que poderemos vir a ter com este tipo de "máquinas". A verdade é que as pessoas são imperfeitas, rabugentas, sensíveis, irritantes, monótonas, egoístas, enfim um sem número de coisas que podem conduzir alguém à completa loucura emocional. E se nos fosse dada a oportunidade de construir alguém à nossa imagem, alguém que fosse exactamente aquilo que nós precisamos, quando precisamos e especialmente quando queremos? É esse desejo que alimenta a paixão crescente que vamos sentindo e, é essa paixão que se torna um amor incondicional. Mas será uma máquina capaz de amar tão profundamente? Essa é a questão que o filme vem resolver. Her revela-nos que a ausência física pode ser um problema, mas com certeza que não é o problema.
Joaquin Phoenix estabelece uma relação sensual e romântica com Scarlett Johansson de uma forma absolutamente impressionante, as vozes dos actores completam-se e envolvem-se como por magia. E ao longo do tempo Phoenix consegue preencher a tela, sozinho, com a sua presença fenomenal.
Uma história de amor igual a tantas outras, com uma tamanha profundidade de sons e cores, que ultrapassa obstáculos e desenhas caminhos. 
Sem dúvida um dos melhores do ano... 

sexta-feira, fevereiro 14

Presa - Parte 3: Destinos

Quando Laura olhou em volta não conseguia distinguir os limites das paredes, a brancura quase que a cegava. Estava um homem sentado do outro lado da sala, e assim que a viu mexer a cabeça para o ver melhor, ele levantou-se e pressionou um botão junto à porta, aproximou-se dela e perguntou-lhe: - Sabe onde está? – Laura abanou a cabeça em sinal de ignorância e o homem não respondeu à sua própria pergunta. Mais tarde Laura percebeu que estava interdita de ver familiares, amigos ou qualquer outra pessoa do mundo exterior. Estava presa num hospício e desta vez o diagnóstico era esquizofrenia. Aos olhos do mundo Laura tinha tentado assassinar o marido e depois tentado o suicídio, por mais que negasse ninguém acreditava numa única palavra que cruzasse os seus lábios, o mundo estava do lado do dinheiro, e não do lado da justiça. Esteve largos meses fechada num quarto, foi avaliada por psiquiatras, juízes e advogados, e nenhum deles parecia ter dúvidas de que estava louca.

Após um ano de internamento Laura teve permissão para sair do quarto e ir à sala de convívio, não conseguir andar sem ser com a ajuda de uma cadeira de rodas, ouvia vozes que ecoavam na sua mente e via vultos durante toda a noite, o seu corpo estava a enfraquecer e a sua mente a esmorecer. A primeira reação que teve quando saiu foi seguir a claridade da janela e observar a luz do sol, os quentes raios aqueciam-lhe a pele e feriam-lhe a vista, mas aquela luminosidade fazia-a terrivelmente feliz. Esteve durante longos minutos em frente à janela gradeada, de repente ouviu passos aproximarem-se dela. – Olá! És nova aqui? – Laura baixou a cabeça e fechou os olhos, conseguia-se ouvir os seus sussurros: - Ele não é real! Ele não é real! Concentra-te! Ele não é real! – O homem fitou-a e respondeu aos sussurros: - Gabriel! Muito prazer! – Laura olhou para ele com os olhos cobertos de volumosas lágrimas, e perguntou: - Como é que eu sei que és real? – O homem sorriu de forma sarcástica e respondeu: - Essa é a parte engraçada de ser maluco… É que nunca se sabe o que é ficção! – Laura percebeu a ironia na voz dele, mas não se conseguia rir, essa era uma memória longínqua e perdida no tempo. Gabriel estava desiludido por não ter surtido efeito na mulher que ele achava que precisava de sorrir. – Bem, o meu humor é demasiado negro. – Conforme respondeu ao olhar entristecido de Laura, ele sorriu e voltou a caminhar. Laura fechou os olhos com uma enorme força e reabriu-os, Gabriel tinha desaparecido. Seria ele imaginário?

quinta-feira, fevereiro 6

Presa - Parte 2: Loucura

No dia seguinte Laura não se conseguia mexer, o seu corpo estava dorido e cada movimento era uma tortura. Dera entrada do hospital na noite anterior, não precisava de um médico para perder o filho, o pai do feto tinha tratado do assunto. Estava deitada na cama do hospital e os pais já tinham ido vê-la, ambos perceberam o que se tinha passado e tentaram agir em conformidade, mas o poder e o dinheiro do genro eram implacáveis e difíceis de alcançar. Laura contou a verdade aos pais na terceira visita, eles explicaram-lhe que Rui tinha alegado que ela tinha ataques de histeria constantemente e que tentara agredi-lo. Ela foi analisada por um psiquiatra que alegou que Laura estava traumatizada e que tinha sintomas de bipolaridade, segundo a descrição feita pelo marido. Cada vez que ele entrava no quarto dela, Laura gritava como se a estivessem a torturar, e dizia que nunca mais o queria ver próximo dela, tomou doses abismais de medicação e não melhorava, piorava a cada dia e não conseguia sair do hospital. Meses depois Rui levou-a novamente para casa, ela não conseguia encará-lo e o medo começava a ser uma constante. – Porque fizeste isto? – Porque te amo! – Respondeu Rui num tom doce. Laura não se atreveu a responder, não se mexeu e limitou-se a deitar-se na cama.

Dias depois de estar em casa Laura quis sair, vestiu uma roupa confortável e desportiva e foi para o café onde ia habitualmente. O dono do estabelecimento desejou-lhe as melhoras, e ela sentou-se na mesa do canto a ler uma revista. – Laura? – Ela levantou os olhos e seguiu a voz rouca que a chamava, respondendo: - Artur! – Levantou-se num ápice e abraçou o seu amigo e par. – Como estás rapariga? Há imenso tempo que não te vejo! Estás gloriosa como sempre! – Laura riu-se e respondeu: - E tu és um exagerado como sempre! Como está o Jorge? Já marcaram o casamento? – Ele está óptimo, e eu também! Vamos casar em Dezembro! Mal posso esperar! – Ficaram sentados a conversar durante horas, até que a escuridão de inverno começou a cair, e Laura teve de regressar a casa. Quando pôs a chave na porta a governanta abriu-a do outro lado, o pesar do olhar da mulher não fazia prever nada de bom. – O Senhor Rui está à sua espera no escritório. – O corpo de Laura estremeceu, o sangue começou a ser bombeado a uma velocidade vertiginosa e o seu estomago contorceu-se. Assim que abriu a porta do escritório viu o marido sentado no sofá com um copo de whisky na mão direita, não fechou a porta, mas também não importava. Rui levantou-se e foi em direcção a ela, Laura começou a recuar e a gritar, conforme se virou para começar a correr ele agarrou-a pelo cabelo e disse-lhe: - Só porque não quero filhos não quer dizer que me andes a trair. – Laura ouviu o copo a estilhaçar-se no chão e sentiu uma picada no pescoço. Acordou num quarto branco, gelado e amarrada. Não podia fugir.