- Drº Salvador, tem duas cirurgias marcadas para
hoje. – Salvador estava sentado à secretária, concentrado no seu próximo
doente, espreitou por cima da armação dos óculos e sorriu respondendo: - Eu sei
Celeste. Obrigada. – A rapariga sorriu como se estivesse à espera de alguma
recompensa e caminhou sensualmente pelo corredor, nunca perdendo o médico de
vista. Salvador tinha o hábito de almoçar no restaurante fora do hospital,
sentou-se no balcão e começou a jogar no tablet.
– O melhor par para o três é o da segunda fila porque liberta as duas peças que
têm par. – Salvador olhou para o quadro do jogo e não moveu a tão sugestiva
peça, em vez disso olhou para o lado com uma expressão indignada: - Obrigada
pela sugestão. – O sorriso irónico era transparente e óbvio. – De nada. –
Respondeu a rapariga satisfeita e sorridente. Continuou a olhar para as
hipóteses de jogo e de facto aquela era a única saída para ganhar. Apercebeu-se
que tinha demorado precisamente sete minutos e cinquenta e três a chegar à
mesma conclusão que aquela rapariga e, ela tinha-o feito em segundos. Indignado
fitou-a e perguntou: - Costuma jogar a isto? – A rapariga sorriu e respondeu
perentoriamente: - Não! A primeira vez que vi esse jogo foi agora. – Salvador
não quis acreditar na rapariga e respondeu com desdém: - Isso não possível! –
Voltou a concentra-se no jogo e ouvi-a novamente falar. – Também não o conheço
mas percebo perfeitamente que é médico. – Agora ela tinha conseguido captar a
atenção dele. – Sim, sou. – Ela sorriu. – A arrogância, o toque suave no
tablet, e a ausência de tremor diz-me cirurgião. Para além disso tem as unhas
cortadas, evita sentar-se perto de pessoas mais velhas, com receio de ser
reconhecido, e para além disso não usa aliança, apesar de ser casado. Como é
que eu sei que é casado? Porque tem o nó da gravata perfeito, o vinco das
calças impecável e a barba aparada. Nenhum homem faz a barba com regularidade
se não for casado. – Salvador ficou verdadeiramente impressionado, e
extremamente assustado com aquilo que tinha ouvido. A rapariga bisbilhoteira
tinha-se tornado na mulher mistério. – Com tanta informação só falta adivinhar
o meu nome. – Eu não preciso de saber o seu nome, só preciso de saber quem o
senhor é. – Ela recebeu o batido que aguardava, piscou o olho e levantou-se. –
Sou o Salvador, muito prazer. – Petra, desculpe não poder dizer o mesmo. –
Agora sim o jogo estava a ficar interessante para Salvador.