Salvador passou o dia intrigado, suspirando a cada
esquina dos corredores doentios do hospital, quem seria Petra? Era a pergunta
que o perseguia, ou melhor, era ele que perseguia a pergunta, na realidade
somos nós que criamos as questões, e tal como uma mãe persegue um filho, nós
perseguimos as nossas próprias questões. A noite caiu e ele teve de regressar a
casa, assim que pôs a chave na estreita fechadura, ouviu o som abafado dos
chinelos de Vitória, a sua mal amada e esquecida mulher, aquela que por força
do amor e do dever ocupou todo o seu tempo a cuidar da casa. - Olá amor! –
Disse a encantadora voz aguda, daquela que poderia ser a melhor esposa de
sempre. – Olá querida, como foi o teu dia? – Vitória aguardava ansiosamente
todo o dia por aquele momento, os minutos que o marido dedicava a ouvir detalhadamente
cada episódio emocionante do seu dia. Salvador nunca ouvia o que a mulher
dizia, aguardava pacientemente que ela terminasse para que se pudesse sentar a
jantar silenciosamente com os seus incompletos pensamentos. Desta vez sentia-se
ridicularizado, mas atraído, frustrado, mas interessado. Dificilmente
conseguiria equilibrar o que sentia, a nuvem turva de fascínio e indignação não
permitiam que o fizesse. – Está tudo bem querido? – Perguntava Vitória
preocupada. – Está. Estou apenas cansado, preciso de me deitar cedo. – Vitória
sorriu, beijou a testa do marido e acariciando-lhe o rosto. – Então vai. Eu
trato disto. – Salvador beijou calorosamente a mulher, pensando que tinha a
maior sorte do mundo em tê-la encontrado, no entanto, Petra não abandonava o
seu pensamento.
Salvador estava sentado numa poltrona no seu quarto,
repousava a mente e o espirito. Quando finalmente se encontrava na penumbra
entre o sono e a realidade ouviu uma voz sussurra-lhe ao ouvido: - Rua Porto
Venâncio, nº 43. – Salvador acordou sobressaltado. Porque estaria ele a
recordasse da rua onde vivia enquanto criança? Ele morava no número 33 e não no
número 43. No seu interior sentiu uma impetuosa vontade de caminhar até ao nº
43, era só meia hora de carro. – Querida tenho uma urgência. – Mas… - Eu venho
cedo! – Salvador antecipou-se à intervenção da mulher, ela não discutiu, ela
não argumentou, remeteu-se ao silêncio e continuou o seu trabalho de doméstica.
Salvador dirigiu o carro a uma velocidade
vertiginosa, não se conseguia controlar, o seu lado racional murchou, deixando
espaço para florescer aquilo a que chamamos emoção, não havia explicação
lógica. Estacionou o carro quase em frente ao nº 43 e correu até lá. Tocou à
campainha, esperou, não sabia o que iria encontrar, não sabia o que dizer. Foi
assaltado por um momento de lucidez e correu novamente para o carro,
espreitando quem viria abri-lhe a porta. E lá estava ela, Petra, a mulher
mistério era sua vizinha desde sempre. Teve medo de sair do carro, teve receio
de falar, assim que ela fechou a porta ele suspirou de alívio, colocou a cabeça
em cima do volante, e fechou os olhos, manteve-se assim por tempo
indeterminado. Finalmente saiu da posição de repouso, e apercebeu-se que alguém
tinha entrado para o banco de trás, assim que desviou o olhar para desvendar o
mistério, viu-a novamente, Petra. – Olá boa noite! O que faz por aqui? –
Salvador olhou para ela assustado. Naquele momento sentiu-se louco. Estaria?