domingo, novembro 30

Fenix - Parte 8

Mário entrou na morgue e fechou a gigantesca porta por trás de si, selou-a cautelosamente para que não a pudessem abrir por fora. Correu para as saídas da ventilação e fechou-as uma por uma, embalado pelos sons frenéticos das pancadas deseperantes. Acreditava que estava a fazer o correcto, pouco importavam as opiniões alheias, e apesar do seu primeiro erro, não tinha perdido a confiança em si mesmo.
Simone e Edgar correram novamente para a morgue. Tentaram abrir a porta sem sucesso. - O que achas que ele vai fazer? - Perguntou Simone severamente preocupada. - Não faço ideia. Mas espero que não implique libertar os infectados. - Cecilia estava por detrás deles. Ainda que revoltada com a afirmação manteve o silêncio, e tentou compreender o receio dos cientistas. Simone tentou bater na porta, mas as pancadas que emitia confundiam-se com os sons vigorosos do interior. Era impossível fazer a distinção. Edgar começava a não encontrar saída para o sucedido. - E agora? O que vamos fazer? - Simone fitou Cecília e respondeu à pergunta convictamente: - Vamos tentar resolver isto sem estragos. - Cecilia acenou afirmativamente, mas Edgar ergueu a sobrancelha sem tecer nenhum comentario.
Mário continuava fechado no interior das espessas paredes e, ainda com o seu fato vestido, abriu uma das portas de uma qualquer arca frigorifica. Espreitou para o interior e viu um homem tremendamente assustado, que lhe perguntou: - O que se passa? O que estou eu aqui a fazer? - Mário puxou a maca do interior da arca e tentou conversar com o homem, mas este estava num tremendo pânico, de tal forma que o homem se levantou e correu para a porta. - Onde está a alavanca? Quero sair daqui! - Nesse mesmo momento Mário percebeu o quão idiota tinha sido. Tentou impedir a entrada dos colegas na sala, encravando propositadamente a porta, mas esqueceu-se que esta não abria por dentro sem um cartão de identificação. Procurou em todos os seus bolsos, não encontrou. Fez um esforço de memória, e percebeu que tinha deixado o cartão no interior do seu cacifo. Mário fitou o homem histérico, que o agarrou pelos ombros com uma força estrodonsa. - Diga-me o que se passa! - Mário percebeu naquele momento que a sua única saída era tentar chegar à ventilação o mais depressa possível.
Simone, Edgar e Cecilia correram para o laboratório. Começaram por mexer na bancada de Mário para tentarem encontrar a droga (ainda não testada) para combater aquele vírus. Enquanto o faziam o telefone tocou. Edgar atendeu. - Estou. - Do outro lado uma voz rouca e rude respondeu: - Daqui fala o Inspector Filipe Norte. Diga-me o quer e talvez possamos negociar a sua saida. - Edgar desligou o telefone e fitou as duas mulheres. - Acho que temos mais um problema...

sexta-feira, novembro 21

Fénix - Parte 7

Edgar e Simone corriam o mais depressa possível para o laboratório. No caminho cruzavam-se com inúmeros colegas que não faziam ideia do que se passava. Ao chegarem ao destino Edgar alertou a colega para uma questão pertinente: - Simone! Praticamente toda a gente neste edifício usa uma fato de protecção. Nenhum deles irá adormecer. Não vamos conseguir adormecer nem evacuar o edifício convenientemente. - Não podemos mandá-los tirar os fatos. Vão ficar infectados! - Respondeu Simone. - Então o que sugeres? - Acrescentou Edgar. Simone colocou a mão sob o queixo e deixou o seu olhar divagar em redor. Enquanto examinava a sala com o maior detalhe possível, Edgar observava-a com a maior das atenções. Até que num instante Simone parou de vaguear e correu para junto de uma das paredes. Assim que se aproximou do alarme de incêndio puxou a alavanca e sorriu esperançosa. - Essa ideia foi estúpida! Agora temos os bombeiros "à perna"! - Simone respondeu ironicamente: - És sempre tão pessimista! Vamos trancar as portas. Ficamos aqui dentro fechados. - Edgar rolou os olhos e respondeu: - Perfeito! Essa ideia é ainda mais estúpida! Vamos juntar a polícia ao barulho! - E que tal parares de arranjar problemas? - Edgar achava toda a ideia relutante, mas ainda assim respondeu: - Vais ter de me recompensar por isto! - Simone sorriu e completou. - Vai pensando nisso... - O alarme de incêndio soava altíssimo e os trabalhadores evacuaram rapidamente as instalações. Edgar correu para fechar as portas e selá-las novamente, enquanto Simone libertava a solução na ventilação. Após ter feito isso voltou para o local onde tinha deixado Mário e Cecília. Encontrou apenas a rapariga, já com o fato vestido, mas nem um sinal de Mário. - Onde está o Mário? - Questionou Simone. Cecília respondeu calmamente: - Ele disse que ia buscar mais garrafas de oxigénio. - Simone começou a entrar em pânico e perguntou: - E a Cecília acreditou nisso? - Porque não haveria? - Respondeu a rapariga confusa. Simone correu novamente para a morgue, o seu instinto não poderia estar correcto. Se assim fosse, tudo o que tinham planeado ia ser uma enorme catástrofe.

Fénix - Parte 6

Simone e Edgar apressaram-se a retirar Mário e Cecília do interior da morgue. Fecharam a pesada porta e continuaram a ouvir os graves ruídos constantes. Mário foi o primeiro a levantar questões: - Vamos deixá-los ali? - Edgar respondeu de imediato: - O que sugere? Servir um "cházinho" de tília a todos eles, e dar-lhes a notícia de que morreram acompanhada de bolo de iogurte? - Simone reparou instantaneamente no silêncio mórbido de Cecília e, ainda com o fato macaco vestido, abraçou-a. - Vamos encontrar uma solução. - Mário e Edgar ainda trocavam palavras azedas. O primeiro por defender os direitos de todos que sofregamente tentavam sair da escuridão da morte. O segundo por pensar ser impossível manter todos calmos e estóicos.
No clímax da questão Simone sugeriu introduzir na ventilação do edifício uma solução que causasse sonolência em todos os infectados (agora ressuscitados). Edgar achou a ideia brilhante: - Isso é genial! Assim temos tempo para perceber o que se está a passar. - Mas Mário lançou uma questão que evidenciava o seu ponto de vista relutante: - Mas eles não têm um metabolismo funcional. Como é possível que a droga faça efeito? - Desta vez Simone respondeu ironicamente: - Como é possível que tenham acordado? - Todos os olhares se fixaram em Cecília, que completou o resto da ideia: - Não há como tentar...
Os sons continuavam a ecoar entre as paredes e as portas, a vibração sentia-se no chão e no tecto. Enquanto Simone e Edgar tentavam encontrar uma droga que adormecesse todo o edifício, Cecília e Mário tentavam encontrar um fato para que a rapariga morta pudesse ficar protegida do sono não eterno.

quinta-feira, novembro 20

Interstellar


ATENÇÃO: Contém Spoilers

Uma viagem ao outro lado do universo para desvendar o que está mesmo por baixo do tapete.

Christopher Nolan regressa ao grande ecrã com mais um filme de ficção (neste caso cientifica), que transparece uma complexidade emocional muito diferente do género.
Matthew McConaughey não está no topo das suas performances, mas consegue cativar o espectador. Anne Hathaway fica muito longe de qualquer expectativa, talvez pela superficialidade da sua personagem. Jessica Chastain e Michael Caine são os actores mais presentes em todo o filme, mantêm uma enorme solidez e firmeza nas suas interpretações.
O deslumbre dos efeitos especiais e da ginástica gráfica ao longo do filme fez perder um interesse especial na qualidade e fundamentação das personagens, ou seja, traduzindo isto por palavras miúdas, qualquer uma das criações fictícias de Nolan tem uma gigantesca ausência de conhecimento e conteúdo. É complicado definir qualquer que seja a personagem neste filme, porque na realidade nenhum de nós consegue verdadeiramente conhecer aquilo que nos é apresentado, é essa ausência de características que é notável (e evidente) ao longo do filme. 
O argumento é complexo, equilibrado, e intenso, qualidades difíceis de reunir, mas que os irmãos Nolan parecem conseguir fundir. (Sendo que Jonathan Nolan continua a ser o génio da escrita.)
Hans Zimmer é a chave para uma viagem intensa ao espaço, sem nunca perder o ritmo e o interesse musical (mas isto não constitui uma grande surpresa).
A fotografia e os efeitos especiais são de elevadíssima qualidade, e muito provavelmente terão lugar marcado nos óscares deste ano.
O que mais desilude em todo o filme é o final extremamente previsível, e quase que poderei dizer enfadonho. Após estar longas horas à espera de uma resolução lógica e inesperada, eis que Nolan nos surpreende com algo esperado (e de certa forma óbvio). Utilizando uma metáfora simples é como caminhar numa estrada cravejada de obstáculos e na meta não existe nenhuma surpresa ou recompensa, apenas mais do mesmo. Com isto não alimento a premissa de que o filme possa ser aquilo a que designamos de mau, mas na realidade não acrescenta nada de surpreendente.
Confesso que a princípio a ideia de que o amor é a maior força universalmente desconhecida e intemporal, causa muita relutância aos mais cépticos, e parece-me algo forçada. Mas se analisarmos com alguma serenidade e equilíbrio percebemos que o verdadeiro objectivo de Nolan não é afirmar que o amor é a resolução para todos os problemas da humanidade, mas sim a confiança que nasce a partir de relações humanas, que se tornam estreitas e atentas com o tempo, e de certa forma com os espaço. Ou seja, o amor é um cocktail de tantos outros sentimentos e situações, que culminam na esperança de acreditar que o espaço e o tempo não são imutáveis. Ainda mais interessante do que o significado do amor é aquilo que ele representa, é o papel que desempenha na luta pela sobrevivência e na preservação da espécie. Esse sim é o tema essencial e fulcral em todo este filme. Até onde somos capazes de ir para sobreviver? Serão os laços entre nós suficientes?

Em suma, o filme é magnificamente complexo, mas dificilmente alcançável.

segunda-feira, novembro 17

Fenix - Parte 5

Cecília estava tão assustada quanto Simone. Enquanto o medo e a surpresa criavam um cocktail hormonal estonteante, Simone tentou sentir as pulsações de Cecília, pelo que não conseguiu. A jovem despida, e aparentemente viva, perguntou à cientista: - O que se está a passar? – Simone demorou algum tempo a responder, queria ter a certeza que não era a imaginação a atraiçoá-la. – Qual é a última coisa que se lembra Cecília? – De uma máquina a apitar e do Drº Mário a agarrar-me a mão… - Isto vai parecer-lhe um pouco estranho. Mas a Cecília morreu… - Após largos segundos de silêncio Cecília recordou a conversa que teve com Mário, e olhou para o seu corpo suturado. Não gritou, não se assustou, não verteu uma única lágrima, simplesmente perguntou: - Como? – A cientista sabia tanto quanto ela e por isso respondeu: - Não sei. Vamos tentar descobrir. – Estendendo a mão para auxiliar Cecília a sair pegou num saco de transporte de cadáver e cobriu-a. – Espere um pouco, vou chamar os outros. – Deixando a jovem sentada, saiu aparentemente calma, fechando a porta atrás de si.
Simone correu pelos corredores até encontrar Edgar e Mário. Ofegante por ter percorrido uma enorme distância a uma velocidade vertiginosa, gritou: - Vocês têm de ver isto! Já! – Edgar e Mário seguiram-na sem hesitação e sem perguntas.
Antes de abrir a porta Simone disse: - Não se assustem com o que vão encontrar. E mantenham a mente aberta. – Edgar tinha um fraco por graçolas e respondeu: - A minha mente está sempre aberta para ti! – Simone rolou os olhos e abriu a porta.

Cecília estava sentada embrulhada num saco preto e quieta com o olhar fixo nos três cientistas. Mário ficou completamente boquiaberto, de tal forma que correu para Cecília e agarrando-se carinhosamente à antiga pupila. Edgar apoiou a mão no ombro de Simone e perguntou: - Como é que possível? – Simone riu-se e perguntou: - Ainda manténs a mente aberta? – Edgar ignorou o comentário e fixou novamente o olhar na rapariga. – Temos de a levar para uma sala de isolamento. – No preciso momento em que Edgar proferiu estas palavras um forte estrondo ecoou na sala. – O que é isto? – Perguntou Mário. – Simone fitou Cecília, e ouviu-se outro barulho igualmente estrondoso. – O que se está a passar? – Perguntou Edgar. Eram cada vez mais os barulhos, e cada vez mais fortes. Simone olhou para Edgar e respondeu à pergunta: - Aparentemente não foi só ela que acordou.

domingo, novembro 9

Fénix - Parte 4

Simone caminhava no corredor do centro com o seu fato macaco branco. Já não sabia o que havia de fazer para encontrar uma solução. Todos os infectados pareciam morrer de formas diferentes, era como se o vírus se adaptasse a cada organismo e se aproveitasse das fraquezas de cada um. Nunca ninguém tinha a mesma sequência de sintomas. Era uma panóplia de diversidade impressionante, não havia raciocínio lógico, era impossivel prever o número de infectados. Resolveu regressar à “paciente zero”, Cecília. Abriu a sala onde estavam as arcas frigoríficas, a porta era pesada e emitia um som estridente e irritante, tentou travá-la para que não se fechasse. De repente ouviu um barulho ensurdecedor dentro de uma das câmaras. Simone petrificou, não pelo frio, mas pelo espanto do sucedido. Parecia que havia ali alguém vivo e a tentar sair. Caminhou para a fonte do ruido, até que este parou. Julgou estar a sonhar, não estava convicta de que o barulho tivesse alguma vez existido. Assim que pousou os olhos no papel que trazia nas mãos o barulho começou novamente. Simone correu para a origem, abriu a porta e o que viu deixou-a completamente boquiaberta.

Cecília olhou novamente para os pés e viu uma mulher completamente vestida de branco. Assustou-se e ficou quieta, de olhos bem abertos e fixos no rosto da sua suposta salvadora. Simone fitava a rapariga morta, mas viva. Puxou a maca e observou o corpo de Cecília, a pele branca doentia, os lábios arroxeados, os fios de sutura espalhados por todo o corpo, e os olhos vivos e esbranquiçados faziam com que Simone se arrepiasse. O medo ainda não se tinha apoderado dela, mas não estava muito longe.

sexta-feira, novembro 7

Fénix - Parte 3

Cecília começou a sentir dores de cabeça insuportáveis, edemas nos membros superiores e inferiores e sobretudo perda de apetite. Mário sugeriu que isolassem todos os indivíduos infectados até se perceber o que estava realmente a acontecer.
Cecília estava fechada numa sala branca, onde mal se distinguia o tecto do chão. As paredes envidraçadas, os fatos insufláveis não permitiam que ela percebesse quem estava a tratá-la. Até que do outro lado do vidro viu o seu maior ídolo. – Drº Mário!! – Gritou histérica. Mário era um homem frio e indiferente ao sentimento humano. Mas naquele momento, sorriu de orgulho e chorou de dor, sabia o destino de Cecília e de todos os outros que tinham experimentado a sua criação. – Drº, o que se passa? – Perguntou Cecília despreocupada. – Cecília, o vírus não está a funcionar como prevemos. – Como assim? – As suas células não estão a aguentar a recombinação genética. Estão a morrer. – Cecília não queria acreditar naquilo que ouvia. – Mas não há nenhuma solução? – A Cecília é o “paciente zero”. – Aquela frase significava morte, irremediavelmente. – Então e a minha autópsia? Pode salvar os outros? – Mário ficou surpreendido com a pergunta. Cecília era de facto especial, só ela poderia ter um acto tão nobre e altruísta. – Penso que sim. – Mário sorriu, e Cecília retribuiu o sorriso. – É muito corajoso da sua parte. É um orgulho tê-la como colega. – Cecília soltou uma lágrima e respondeu: - Obrigada doutor. Também foi um prazer trabalhar consigo. – Nos dias que se seguiram Cecília teve dores no corpo, perda de mobilidade, perda de visão, surdez e por fim enfarte fulminante.
Os restantes infectados estavam todos a caminhar a passos largos para a morte. Cecília tinha de ser examinada o mais depressa possível. Não se conseguia perceber a razão para as células estarem a morrer. Mário só conhecia duas pessoas capazes de descobrir o que estava a acontecer, Simone e Edgar.

quinta-feira, novembro 6

Fénix - Parte 2

Mário sabia que tinha cometido um erro. Aquele vírus não era suposto ter saído do laboratório. Não poderia imaginar que se iria dissipar de forma tão rápida e incontrolável. Só tinha passado um mês e meio desde o incidente, e já tinham sido disseminadas mais de três mil pessoas. Quando libertou a sua criação, não fazia ideia que efeito poderia ter no ser humano. Infelizmente a consequência mais dramática era a que estava a acontecer. A sua assistente Cecília era a mais prestável e amorosa das criaturas, como teria sido possível ele tê-la submetido a tal atrocidade?
Cecília tinha vinte e cinco anos e estava a viver o sonho de uma vida. Tinha conseguido entrar no Centro de Doenças Infecto-Contagiosas por mérito próprio, e trabalhar com o melhor especialista em microbiologia do planeta. O entusiasmo era constante na sua vida. O trabalho era tudo aquilo em que conseguia pensar. Tinha deixado para trás todo o convívio social, todas as relações amorosas, todos os laços familiares, em prole daquilo que julgava ser a melhor coisa que lhe tinha acontecido na vida. Quando Mário lhe tinha sugerido ser cobaia da sua experiência não sentia qualquer medo ou insegurança, queria ser voluntária. A ideia era genial, o vírus iria servir como um potenciador celular e aumentar as capacidades físicas e intelectuais do "infectado". Na verdade, Cecília tornou-se muito mais forte e rápida, aumentou dez vezes a sua capacidade de raciocínio matemático e três vezes mais a sua capacidade dedutiva. Parecia que tudo estava a funcionar. Cecília tinha saiu de quarentena treze dias depois de ter sido infectada.

Ninguém conseguiu prever a velocidade de transmissão do vírus. Rapidamente toda a família e amigos de Cecília tinham as mesmas capacidades e qualidades que ela. Parecia um sonho tornado realidade. Até que o vigésimo sexto dia chegou.

Fénix - Parte 1

Cecília ouviu um ruído metálico e estridente, abriu os olhos e o negrume manteve-se à sua volta. Conseguia sentir o inox gélido onde a tinham deitado, mas não sentia o peso da roupa, nem o ar exterior. Lançou as mãos para a frente e apercebeu-se que estava presa numa caixa. Seria um caixão? Olhou para os pés e viu uma fresta de luz. Impaciente e nervosa pontapeou a parede, que lhe parecia uma porta resistente, nada se mexeu. Continuou a forçar a parede frenética e insistentemente, sem obter resultado algum. O barulho que a tinha acordado foi extinto com a mesma rapidez com que havia aparecido. Não sabia se era o pânico, ou se de facto já não existiam ondas sonoras que produzissem aquele som. Ao fim de várias tentativas infrutíferas deixou de tentar abrir a porta (ou parede) que deixava escapar uma aresta de luz. Manteve-se em silêncio durante escassos minutos, o frio venceu-a e o seu corpo começou a tremer.

Edgar trabalhava na morgue de um centro de doenças infecto-contagiosas. Há muito tempo que não tinham tantas autópsias em atraso, há décadas que não davam tanta importância ao trabalho que fazia. O cansaço começou a tomar conta do seu corpo, já não aguentava nem mais um minuto. Edgar caminhou praticamente inanimado para a máquina de café e esperou pacientemente que a cafeína lhe fizesse efeito. Sentiu passos de corrida no corredor. Olhou curioso para a porta automática e esperou que não fosse outra pessoa chamá-lo para mais uma autópsia. – Edgar? – Ed! – Uma voz aguda e, outra grave, gritavam insistentemente por ele. – Sim? – Perguntou pesaroso. – Assim que viu os dois colegas sem fôlego levantou-se num ápice. – Que se passa? – Perguntou nervosamente. – Temos mais cinco! – Edgar deitou o copo de plástico no lixo e desejou que aquele vírus nunca tivesse abandonado o laboratório onde havia sido criado.