- Como é que… - Eu viu-o a tocar à campainha, estava
à janela. – A rapariga não parava de sorrir. – A sua mulher não sabe que está
aqui, pois não? – Salvador olhou para aquela que parecia ser irremediavelmente
a mulher que o assombrava de todas as formas possíveis, e respondeu: - Não. – Eu
pergunto-me porquê… - Uma intensa troca de olhares carregou o saturado ambiente
do carro. Salvador tinha a estranha sensação que já a conhecia, o olhar dela
era-lhe familiar, subitamente o desejo deu lugar à saudade, o sentimento
indiscritível em qualquer outra língua ou dialecto, preencheu-o por completo, o
médico sentiu-se preso em si próprio e respondeu às reticências: - Eu sei que a
conheço, mas não sei de onde. – Petra riu-se com uma estridente gargalhada, e
respondeu: - Você é muito mau nisto! Outra resposta e provavelmente já
estaríamos a embaciar os vidros do carro! Mas com essa afirmação vou para casa
jantar, porque tenho fome. – Petra saiu do carro a rir-se, como se o que Salvador
tivesse dito fosse amplamente ridículo. O médico perseguiu-a com o olhar, ligou
o motor do carro e regressou a casa.
Salvador tentou abrir a porta da garagem, contudo não
conseguiu. O comando tinha avariado, deixou o carro na rua e dirigiu-se para a
porta. Enquanto caminhava, sentiu arrepios e passos atrás de si, quando tentou
virar-se para perceber o que se passava, sentiu um braço a apertar-lhe o
pescoço e um pano a cobrir-lhe a boca, deixou de ver, deixou de ouvir,
adormeceu. Acordou deitado na sua cama, amarrado e amordaçado, aos seus pés
estava Vitória, um homem velho e um novo. Assim que se apercebeu que o marido
tinha acordado Vitória aproximou-se a chorar, dizendo: - Salvador, tens de
parar com isto! Ela morreu há anos! Tens de a esquecer, ou vamos continuar a
viver assim! – Salvador não entendia o que isto queria dizer, o homem novo
preparava uma seringa com um conteúdo amarelado, o homem velho dirigia-se para
ele. O pânico do médico crescia exponencialmente até que o líquido mistério o
adormeceu, aos poucos, Salvador foi esquecendo. Petra ficou adormecida na
memória, esquecida, mas por mais quanto tempo?