Eva olhou para o espelho e ficou hipnotizada com a
escuridão dos seus olhos, não sabia o que pensar, quem era aquele homem que a
cumprimentava e observava todos os dias no café? A sua memória estava longe de
querer regressar, ela estava perdida no esquecimento, sem esperança de
recuperar o passado. Desde a sua queda e da consequente amnésia que se sentava
na mesa do canto, e ele sentado no balcão, observa-a todos os dias à mesma
hora. Era assustador, arrepiante, ele parecia conhece-la, ela ignorava o nome
dele. Saiu da frente do espelho e vestiu o casaco de caxemira comprido, com
umas moedas no bolso, a camisa de dormir por baixo, as botas altas, o cachecol
e o cabelo apanhado era tudo o que precisava para se afogar num café expresso
sem açúcar. A doce e suave ignorância da vergonha do seu passado confundia-se
com a amarga solidão que sentia, caminhou em passos largos e pesados até chegar
ao cruzamento, assim que dobrou a esquina, para percorrer um atalho até às
traseiras do café, foi puxada por um alguém encapuçado e vestido de negro que
lhe tapou a boca. Ela só conseguia pensar em dar-lhe tudo o que ele quisesse
para que não lhe fizesse mal, mas antes de conseguir reagir ele sussurrou-lhe
ao ouvido: - Nem penses em gritar Eva, sabes do que sou capaz. Onde é que
estão? – Com isto destapou-lhe os lábios e Eva respondeu assustada: - O quê? –
O homem voltou a tapar-lhe a boca e assobiou. Após o agudo som apareceram mais
três homens e uma mulher que a pontapearam fervorosamente, até que uma voz
feminina lhe puxou o cabelo e disse: - Vamos levá-la até que nos digam onde
estão. – Segundos depois de mais uma forte pancada na cabeça Eva deixou-se ir, a
escuridão voltou a envolve-la.
Abriu os olhos e começou a sentir o corpo dorido,
amassado de tantos pontapés, as mãos e os pés atados e o seu cabelo desgrenhado
anunciavam uma breve tortura. Com alguma dificuldade conseguiu virar-se para a
porta e, subitamente, lá estava ele de novo, o homem que a observava todos os
dias no café. Sentado numa cadeira, amarrado, ensanguentado e amordaçado. Eva
tinha a garganta seca, o frio gelava-lhe o nariz e as mãos, a sua voz rouca e
desesperada perguntou em modo de sussurro: - Ei! Tu aí! – O homem moribundo
levantou o olhar e pousou-o nela. – Consegues chegar a cadeira para aqui? Eu
solto os teus pés, e depois tento as mãos. – O homem de olhos azuis pareceu
desesperado, pareceu reconhece-la novamente e surpreendido por vê-la ali.
Rapidamente começou a puxar a cadeira para junto dela, o som que ecoava entre
aquelas paredes dificilmente passaria despercebido. Enquanto ele lutava para
chegar junto dela, e ela dele, ouviram-se passos nos corredores do outro lado
da porta, a fechadura rodou vagarosamente e do outro lado estava novamente a
mulher e os quatro homens. Eva e o homem de olhos azuis olharam para eles
aterrorizados e depois um para o outro, foi nesse momento que Eva reparou no
olhar de preocupação que assombrava o moribundo. – As botas pontiagudas, altas
e de salto agulha da mulher loira caminharam em direcção a ela, os quatro
homens agarraram o moribundo e destaparam-lhe a boca, pelo que ele gritou: -
Não lhe faças mal! A culpa não é dela! Ela já não sabe de nada! – A mulher
parou, rodou a cabeça para trás, retirou um revolver do bolso do casaco, sorriu
e respondeu: - Diz-me onde é que estão Marcos, ou a tua mulher vai conhecer o
conteúdo da minha arma. – Apavorado, Marcos olhava para aquela que outrora
tinha sido a sua esposa, o sacrifício de desaparecer da memória e da vida
daquela que amava, não tinha sido o suficiente. Já não era só a culpa que o
corrompia, agora também o medo parecia querer apoderar-se dele.
Pequenas
Histórias Originais - Catarina R.P.